domingo, outubro 09, 2005

Testamento

Senta aqui china do meu lado
Senta aqui assim bem pertinho
Conversamos bem juntinhos
Como vivemos querida
Sempre, sempre nesta vida
Lutando sempre sozinhos

Encilha o mate querida
Vamos tomar um amargo
Enquanto te dou encargo
Das minhas ultimas vontades
Confio em tua amizade
Que nada porás embargo

Atiça um pouco essas brasas
Que há um tição fumaçando
Sinto os olhos lagrimando
E a voz que me embaraça
A causa será a fumaça
De algum pau verde chorando

Não chores prenda tem calma
É preciso ter paciência
Pois tudo que tem existência
Um dia também tem fim
Por que razão só de mim
Se esquivará a providência

Presta bem a tua atenção
Em tudo que eu vou dizer
Sei que muito vai sofrer
Rolando cantos alheio
Mas nunca tenha receio
Em cumprir com o teu dever

Procura ser comedida
Dentro da própria desdita
Se te sentires aflita
Contra qualquer falsidade
Lembra que toda verdade
Nem sempre deve ser dita

Para conservar a honra
É preciso muito jeito
Pois ao mérito não se ilude
Nem tudo se leva a pleito
Quando se quer por virtude

Vende as pilchas que eu te deixo
Não tenha nisto cuidado
O meu apero prateado
Que custou tanto dinheiro
Até a guaiaca e o isqueiro
Te darão algum trocado

Vende o tordilho sobre passo
Também o zaino pinhão
Só não vende o alazão
Que é manso do teu andar
Vende as garras de domar
Rendilha de redomão
Minhas botas de garrão
E aquele par de chorona

Vende tudo prenda minha
Sovéu, badana, carona
Vende o violão e a cordiona
Estrivos de picaria
E até para as três marias
Não faltarão comprador
Só não vendas o meu lenço
Que sempre bem amarrado
Eu usei com todo gosto
Me tapa com ele o rosto
Pra ser comigo enterrado

E este velho poncho amigo
Que tanto enfrentou o minuano
Que durma sempre contigo
Bem de encontro ao coração
E assim terás impressão
Que estás dormindo comigo

O meu ultimo pedido
Que eu sei que tu hás de fazer
Para mim será um prazer
Ficar sempre onde eu vivi
Foi no campo que eu nasci
No campo quero morrer
Não me enterres em campo santo
Sobre uma tumba ou jazigo
Enterra-me em campo aberto
Só pela terra coberto
Que o gado durma comigo.

poema de Isabelino Carvalho Lucas 75 anos apresentado na Invernada Artística da Exposição Agropecuária de 2005 do Siindicato Rural de Quaraí.

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